Diário de um passeio de ervas no Festival Andanças
Fernanda Botelho editou As plantas e a saúde - Guia prático de primeiros socorros (Ariana Editora) e a agenda de 2011 Árvores, arbustos e outras plantas medicinais (Ariana Editora).
Escreve regularmente para o Portal do Jardim e é a autora do blogue Malva Silvestre.
O festival Andanças realiza-se todos os anos na primeira semana de
Agosto, na aldeia de Carvalhais, em São Pedro do Sul. Nos últimos dois
anos, Fernanda Botelho foi convidada a orientar workshops e
caminhadas de reconhecimento de ervas aromáticas e plantas medicinais
pelos montes e vales da região. Em exclusivo para o Life&Style,
Fernanda Botelho escreveu o diário da caminhada.
É certo que em Agosto a diversidade de plantas não é muito grande,
mas mesmo assim aceitamos o desafio, pois há sempre plantas e árvores
com muitas histórias para contar, começando logo à partida pelas árvores
que dão origem ao nome da aldeia de Carvalhais: os carvalhos que, para
meu grande espanto, muitos do cerca de 40 participantes da caminhada,
desconheciam.
Em tempos de escassez, as bolotas de carvalhos eram muito apreciadas como alimento, sendo as de sabor mais doce as do Quercus rotundifólia- uma subespécie do Q.ilex-
que, para além de serem ingeridas cruas, cozidas, torradas em forma de
café, eram ainda moídas e misturadas com outros cereais no fabrico do
pão.
De um ponto de vista medicinal, estas bolotas reduzem o fluxo
menstrual, tonificando os músculos pélvicos e abdominais, sendo muito
úteis em casos de prolápse do útero. No aparelho digestivo são
utilizadas para tratar diarreia e disenteria e colite devido à sua acção
adstringente. São ainda importantes no tratamento de hemorróidas e
varizes. É um conhecido e eficaz remédio para tratar problemas de
alcoolismo. Externamente em gargarejos no combate a dores de garganta,
amigdalites, infecções da boca e gengivas, frieiras; em lavagens para
tratar hemorróidas, feridas, corrimentos vaginais, fissuras anais,
pequenas queimaduras.
Em Portugal os Quercus são muito
apreciados pela sua resistência ao fogo, pela sua durabilidade e
adaptabilidade, pela utilidade das suas bolotas, hoje quase
exclusivamente para alimento dos porcos, especialmente do porco preto,
mas principalmente para extracção da cortiça.
Portugal é o maior produtor de cortiça do mundo, produzindo cerca de 50 por cento deste material que é a casca do Quercus suber
está protegido por lei só podendo ser cortado em situações muito
específicas e com autorização especial. A cortiça é extraída de nove em
nove anos e não danifica a árvore.
Verdes e rasteiras
Por
este andar nem precisamos de ir muito longe, muitas das plantas que
crescem à nossa volta são exactamente aquelas que mais nos poderão
servir.
Andamos mais 20 metros, olhamos para o chão, e encontramos
a tanchagem crescendo ali na beira do caminho, nas partes mais húmidas.
Uma excelente planta de primeiros socorros, a tanchagem trata
queimaduras, picadas de insectos, inflamações articulares. As suas
folhas são um excelente legume que podem ser ingeridas cruas ou
cozinhadas, as sementes tenras, ou seja, antes de estarem completamente
formadas, têm um sabor a cogumelos puccini. Abundam nos relvados, beiras de caminhos e pradarias.
Sem
sequer sair do mesmo lugar descobrimos as silvas, carregadinhas de
suculentas amoras, ricas em vitaminas A, B e sobretudo C. Tal como todos
os frutos vermelhos, as amoras são muito ricas em anti-oxidantes e tão
importantes no combate aos radicais livres!
Para combater os
arranhões e o inchaço causados pelos picos das silvas pode utilizar a
folha da mesma planta esmagada para desinfectar e estancar o sangue,
caso seja necessário. O chá destas folhas é ainda útil no tratamento de
diarreia, disenteria, úlceras da boca, gengivites, dores de garganta
(podem utilizar-se também em gargarejos), estados gripais, ajuda a
baixar a febre e é útil em casos de anemia. Uma vez arrefecido o chá
pode ser utilizado como loção para a pele.
As folhas das silvas são bastante adstringentes. Nalgumas culturas
mastigam-se os rebentos tenros para aliviar dores de cabeça, sendo que
estes também podem ser consumidos em saladas.
Doce como o meliloto
Continuamos
a caminhada e encontramos meliloto que muita gente já tinha visto mas
que desconhecia o nome e as suas propriedades medicinais. Tal como todas
as leguminosas, o meliloto é um excelente fixador de azoto no solo e
muito atraente para as abelhas. O seu nome deriva do grego mêli (mel).
É
uma planta espontânea, muito comum da nossa flora, que gosta de solos
calcários e arenosos. É anti-espasmódica, anticoagulante, sedativa,
anti-inflamatória, sobretudo para tratar problemas da vista. Em uso
interno e externo, ajuda a tratar varizes e hemorróidas e reduz o risco
de flebites e tromboses. Precauções: Não ingerir meliloto se estiver a
tomar anticoagulantes.
Depois encontramos malvas, uma das plantas
mais utilizadas em Portugal para tratar os mais diversos problemas
inflamatórios desde conjuntivites, gengivites, inflamações vaginais ou
inflamações cutâneas. Para além dos chás e lavagens, pode usar as folhas
em sopas e as flores em saladas.
Encontramos a dedaleira que NÃO
se pode consumir em sopas ou saladas devido à sua toxicidade, mas no
entanto é muito procurada pela indústria farmacêutica para sintetização
dos seus componentes, digitalina e digitoxina, para fabrico de
medicamentos cardíacos.
Encontramos fetos e pinheiros, urzes e
mentas, todas elas ervas com interesse terapêutico e culinário. A urze é
muito eficaz contra infecções urinárias e a menta é reconhecida
enquanto planta refrescante e digestiva sendo utilizada na culinária de
vários países em molhos, sobremesas, sumos e refrescos.
Encontramos trevos, camomilas, oregãos e celidónia, ou erva-do-betadine, utilizada principalmente para tratar verrugas.
Encontramos
plantas tintureiras e outras desconhecidas, plantas venenosas e plantas
comestíveis, plantas para as abelhas e plantas para os humanos.
O
passeio durou cerca de três horas e saímos de lá todos mais ricos e com
vontade de continuar a desvendar mais segredos de plantas. É bom sentir
o entusiasmo e interesse de tanta gente fascinada com tudo o que as
plantas têm para nos revelar.
NOTA: este blog tem divulgado algumas actividades de Fernanda Botelho, nomeadamente Formações em Leiria nesta área... Este post foi roubado ao Blog Geopedrados.