quarta-feira, novembro 21, 2007

Entrevista à Doutora Maria Helena Henriques - AIPT

Maria Helena Henriques - Coordenadora do Comité Português do AIPT

Maria Helena Henriques (nascida em Lisboa, em 1960), docente universitária na Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade de Coimbra, é licenciada em Jornalismo e Geologia com doutoramento nesta área. Coordenadora do Comité Português do Ano Internacional do Planeta Terra 2008, com vários trabalhos publicados, elaborou diversos guiões de exposições sobre Geologia.

Foi autora do guião da Sala de Geologia Museu da Pedra do Município de Cantanhede, distinguido com a “Menção Honrosa de Melhor Museu Português” (biénio 2000/2001). Salientam-se também o “Prémio Geoconservação 2006” pelo projecto “O Museu da Pedra e a Educação para a Geoconservação”, de que foi signatária na qualidade de geóloga e colaboradora do Museu da Pedra e o “Prémio da Ordem dos Farmacêuticos” pelo seminário “Saúde, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável”.

Educação - O conhecimento sobre o potencial das Ciências da Terra e o seu contributo para a vida dos cidadãos e para a salvaguarda do nosso planeta estarão em foco durante Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT) 2008, inserido na Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Que objectivos gerais salientaria no âmbito deste ano temático, cujas actividades abarcam o triénio 2007-2009?

Maria Helena Henriques (M.H.H.) - O objectivo central do Ano Internacional do Planeta Terra é aproximar o cidadão das Geociências, isto é, demonstrar aos cidadãos em sentido lato e, sobretudo àqueles que têm responsabilidades no mundo político, empresarial, educativo e mediático, que é fundamental valorizar o conhecimento em Geociências. Estamos a desenvolver uma relação extremamente perigosa entre nós e o nosso planeta, através de uma exploração desenfreada dos seus recursos, que poderá conduzir a um agravamento da nossa qualidade de vida na Terra e até à extinção na nossa própria espécie.

As Geociências e os Geocientistas, por conhecerem melhor que ninguém os processos que modelam o planeta, têm de ser ouvidos na hora de tomar decisões sobre temáticas ambientais de interesse social como as que estão contempladas no AIPT: águas subterrâneas, solos, recursos, desastres naturais, oceanos, biodiversidade ou alterações climáticas.


Educação
- Que iniciativas poderia avançar do programa de divulgação do AIPL, em particular no que respeita à educação em Geociências?


M.H.H. - Temos mais de meia centena de autarquias que integraram o Comité do AIPT, isto é, que se comprometeram a desenvolver acções de divulgação em Geociências junto dos seus munícipes, quer através dos respectivos departamentos de educação ou de ambiente e em articulação com as escolas básicas quer através de museus municipais que tutelam. Por outro lado, e ao nível da educação não-formal, também a Agência Ciência Viva é nossa parceira e está em curso um projecto específico no âmbito do AIPT – o “Rocha Amiga”. De igual forma, podemos contar com acções de divulgação protagonizadas por associações de defesa do ambiente, por associações de índole cultural e, naturalmente, por instituições de Ensino Superior que, de forma cada vez mais visível, tentam aproximar o mundo académico do mundo dos cidadãos.

Neste domínio, há que destacar a realização da terceira edição do Congresso dos Jovens Geocientistas, que se realiza na Universidade de Coimbra no dia 22 de Abril de 2008, Dia Mundial da Terra e que, tradicionalmente, acolhe várias centenas de alunos dos ensinos Básico e Secundário que ali apresentam, à semelhança dos cientistas seniores, os resultados de investigação científica que levam a cabo com os respectivos professores.

Não posso deixar de mencionar também um outro projecto que vai ter uma forte expressão mediática. Trata-se de um road-show sobre sustentabilidade na Terra, que vai percorrer o País a partir de Janeiro de 2008, em articulação com as autarquias e a com a comunidade científica, e que vai levar à instalação de uma tenda gigante no centro das cidades com exposições, debates e espectáculos multimédia, tudo em torno do Planeta e seus recursos.


Educação - A tradução para Português das doze brochuras sobre o Ano Internacional do Planeta Terra constituiu um dos primeiros objectivos do Comité Português para o AIPT. Este é já um dos recursos ao dispor dos professores no site oficial português dedicado ao AIPT. Que mensagem deixaria a todos os que pretendam juntar-se a esta celebração mundial?

M.H.H. - A mensagem é um alerta: é preciso conhecer melhor o planeta e a sua dinâmica para estabelecermos uma relação sustentável com ele. As Geociências podem dar um contributo determinante nesta matéria e os geocientistas estão disponíveis para o fazer.


Educação - Em que medida este ano poderá contribuir para uma maior sensibilização junto dos jovens, empresários e decisores para os problemas que se crê estarem na origem das alterações climáticas que afectam cada vez mais regiões do mundo?

Quando uma grande empresa ou um responsável de uma instituição política se associa ao Comité, isso significa que compreendeu o valor da mensagem do AIPT e que está disponível para a defender em cada decisão que toma no seu quotidiano. A adesão de empresas associadas ao sector dos transportes públicos, da produção de hidrocarbonetos e de energia é um grande trunfo para nós e dá-nos garantias de que as preocupações ambientais em torno das alterações climáticas não se circunscrevem ao mundo académico. Esta preocupação já intersecta o mundo político e empresarial, de acordo com os preceitos da Década das Nações Unidas da Educação para Desenvolvimento Sustentável, actualmente a decorrer e na qual o AIPT se insere.


Educação - O “potencial para o desenvolvimento de países” é um dos requisitos do programa científico do ano temático. Em concreto, que iniciativas poderão concorrer para a sua concretização?

M.H.H. - É necessário que os governos invistam na produção de conhecimento em Geociências. Isso é um capital fundamental para o desenvolvimento dos países, sobretudo dos que estão em desenvolvimento. Sem esse investimento, como se poderão resolver os problemas sociais e políticos decorrentes da luta pela água potável, por exemplo? A nível nacional, e dada a dependência que temos de petróleo, é com agrado que registamos a assinatura de um protocolo entre o consórcio Petrobras-Galp-Partex com universidades portuguesas e brasileiras no sentido de apoiar a investigação em Portugal em Geologia do Petróleo, bem como o mestrado nessa área que este ano arrancou na Universidade de Coimbra.


Educação - Da sua experiência de trabalho, em particular no que respeita à colaboração com museus, que importância atribui à organização de visitas de estudo a estes espaços no âmbito das actividades escolares desde o Ensino Pré-Escolar, passando pelo Secundário e até ao Superior?

M.H.H. - A visita a exposições patentes em museus é fundamental na educação de cidadãos, sobretudo em idade escolar. Mas é preciso que essas visitas sejam preparadas e articuladas com as actividades curriculares correntes. Não basta um grupo escolar visitar um museu, tirar umas fotografias e “acabou-se”. É necessário que os professores preparem a visita com a actividades prévias na escola, actividades que estejam correlacionadas com o tema da exposição; que a visita em si também inclua actividades educativas e que, no pós-visita, já em contexto escolar, haja algum tipo de avaliação das actividades desenvolvidas. Isto implica um enorme investimento por parte dos professores e dos Serviços Educativos dos Museus, em regime de trabalho cooperativo, a que não estamos habituados em Portugal. Mas esta articulação faz toda a diferença em termos de aprendizagem.


Educação - Como docente universitária, como vê a preparação no domínio das Ciências dos alunos que chegam ao Ensino Superior? Especificamente, que pontos salientaria pela positiva e quais os aspectos a melhorar?

M.H.H. - A maioria dos alunos em Geociências entra em Geologia ou em Engenharia Geológica porque quer e, naturalmente, para além do conhecimento académico, destaco o interesse e a motivação que já trazem, o que torna a nossa actividade docente muito estimulante, claro.

Hoje, apesar de tudo, sabe-se muito mais sobre sismos, vulcões e dinossauros do que quando entrei na Faculdade. O cidadão comum interessa-se muito mais por esses temas do que há trinta anos atrás. O papel dos media nesse aspecto tem sido fundamental, apesar de nos ignorarem sistematicamente quando ocorre algum tipo de desastre natural ou nos confundirem com arqueólogos quando é anunciada alguma descoberta de fósseis. Mas eu acho que, tal como há trinta anos, continua a registar-se uma enorme distância entre o mundo dos académicos e o mundo dos professores, o mundo dos que elaboram os currículos e o mundo dos que fazem os manuais escolares. É difícil o encontro entre esses protagonistas que, afinal, são os maiores responsáveis pelo que se ensina e aprende em matéria de Ciências.


Educação - O que se poderá esperar no âmbito da cooperação prevista entre o AIPT e outros anos internacionais como o Ano Polar Internacional, o Ano internacional da Heliofísica e o 50.º aniversário da comemoração do Ano Internacional Geofísico?

M.H.H. - Estamos disponíveis e interessados nessa cooperação. As Ciências não devem desenvolver-se de forma disciplinar, mas sim de forma transdisciplinar. Só assim se poderá contribuir para a resolução dos problemas ambientais que afectam a sociedade.


Educação - Finalmente, em que medida o AIPT poderá marcar um “registo” positivo no nosso planeta, ou seja, neste ano a ele dedicado, o que poderá o planeta Terra esperar, em concreto, de melhor para o seu futuro, preservação e continuidade, fruto da contribuição das gerações que nele participaram activamente?

M.H.H. - Poderá esperar uma nova atitude por parte de um número crescente de indivíduos da espécie humana, aquela que mais perturbações provocou à sua própria geodinâmica. Se, de cada vez que votamos num nosso representante político, lhe exigirmos atitudes consentâneas com os objectivos dos AIPT e se, de cada vez que compramos um serviço ou produto, seleccionarmos aquele ou aqueles que menos danos provocam à Terra, estamos a construir esse “registo”. Se tivermos esta consciência, terá valido a pena implementar em Portugal o AIPT.

Novembro de 2007
Entrevista de: Alexandra Aguiar

in Educação - AQUI (site da Texto Editores)

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